Categoria: Ventura: nothing in it happened, but it’s all true

What Francis Ford Coppola said about his movie “Tetro” could be the exact description to these texts: “Nothing in it happened, but it’s all true”.

  • Slow dancing in a burning room.

    Slow dancing in a burning room.

    O livro que me traz até aqui chegou tem uns dois, três dias. Chegou pelo correio, eu comprei pela internet, mas de um sebo, de forma que o livro é usado e alguém já o leu e fez o que eu tinha esperança que fizesse: anotações nas páginas. Essa pessoa que leu o livro e anotou comentários sobre os contos que vamos ambos ler é meu confidente hoje, mesmo sem saber. Eu o imagino – o meu confidente – homem de vinte e poucos anos, moreno, tímido, cheio de sensibilidade. Eu escrevo para ele ouvindo Thelonious Monk. A personagem do primeiro conto gostava dele, como eu. Pulei duas músicas e deixei tocando uma cujo título me parece uma piada… porque eu gostaria de sugerir o imperativo a mim mesma, e sei que a tentativa seria ridícula sem a menor chance de sucesso. Estou ouvindo “Worry later”. Queria poder dividir com ele essas palavras no balcão do bar. Não sendo possível, gostaria de dividi-las com ele anotadas a lápis, como as dele sobre as páginas amarelas do livro. (Mas não sei nem seu nome, quanto mais seu endereço para que pudesse mandar uma carta escrita a lápis!) Queria estar bebendo enquanto escrevo e saber que ele estaria bebendo ao me ler. Queria que ele, de alguma forma, me encontrasse… porque eu sei que me ajudaria. Provavelmente me beijaria e se faria distração para mim. Distração parece pejorativo, mas acredito que ele sabe que eu saberia: distração, na verdade, seria descanso, e eu tomaria isso como uma imensa demonstração de carinho. (“Ele sabe que eu saberia” me faz lembrar de Lenine. Aposto que ele gosta de Lenine também) Talvez o carinho até virasse amor e me salvasse. De qualquer forma, tudo isso é devaneio… porque eu não sei quem ele é, mas eu sei que meu confidente existe. Ele deixou um registro no mundo para que eu soubesse que não estou de todo louca. Eu não sei onde ele está (como sei que é moreno), mas sei que está por aí em algum lugar e por isso lhe escrevo.

    Como é que eu poderia me não me preocupar? Adormeci antes das nove da noite porque estava para além de estafada depois de uma semana que não vai terminar hoje (e é sexta!). Estava tão cansada que o livro que queria tanto ler ficou esses dois, três dias dentro da bolsa… sem que eu conseguisse mexer nele porque estava o tempo todo trabalhando, correndo, enlouquecida. Desmaiei na cama sem intenção, e acordei antes da meia noite num pulo, de palpitação, assustada não com um pesadelo, mas com sonho. Foi desses bem estranhos e reais. Estávamos na sala e uma música tocava. Ele me puxou para dançar. Ele sabia dançar assustadoramente bem e isso não me impressionava (naturalmente sabia dançar, isso fazia muito sentido), mas me assustava como tudo o mais sobre ele. Eu me sentia idiota sem conseguir acompanhar as idas e vindas dos seus passos, e me preocupava horrivelmente com seus braços em torno de mim. Não por ser uma sensação desagradável, mas por ser agradável demais, perigosamente agradável demais. Depois de me girar num rodopio, me puxou para perto e sussurrou “não tenha medo”. Nada poderia me fazer sentir mais medo, nada poderia fazer com que me preocupasse mais (ou depois). Senti o medo me pressionar o peito e me cortar o ar, me fazer abrir os olhos perturbada com a ideia de que se eu fechasse eles de novo, voltaria àquele momento sem ainda saber o que dizer ou fazer. Ainda não sei, e aceito qualquer sugestão… Aperte a minha mão, me ajude a fincar os pés no chão ou a fugir. Meu bem, “nada disso aconteceu, mas é tudo verdade”. Socorro.

    P.S.: eu sei que é ridícula essa minha mania de misturar Português e Inglês, mas não me parece fazer mais sentido de outro jeito. Aceito sugestões para isso também. De qualquer forma, a outra questão é mais urgente. Por favor, tente me encontrar.

    Photo.

  • Are we all forgotten?

    Are we all forgotten?

    Depois que ele se foi, ela meio que morreu. (Às vezes, ela sinceramente acredita que teria sido melhor morrer de vez. Mas, não morreu.)

    Sobrou bem pouco dela mesma. O que sobrou foi um fantasma; espectro dela mesma… Os olhos tão vazios e tão fundos que mais parecem buracos. Às vezes, sorri sozinha, sordidamente; quase acha graça no sofrimento. Nessas vezes, sente uma quase-alegria nostálgica e, os olhos brilham timidamente. Brilha também a pontinha do cigarro – um dos mais palpáveis vestígios dele. Ela não fumava antes. E, de acordo com ele mesmo, ela nem fumar sabia, soltando toda aquela fumaça. Ele não está mais por perto e, um pouco por isso mesmo é que ela faz questão de soltar toda a fumaça, como se com ela pudesse decompor palavras, sentimentos, memórias.

    Ela queimou as fotos em que ele aparecia. E, acabou queimando até sua própria figura impressa quando esta escolhia abraça-lo e beijá-lo e sorri-lo e iluminar-se dele. Irrita-se, sufocada com o poder da lembrança. E, sabe que como a fumaça, desfaz-se aos poucos e está ficando invisível. De tão esquiva, mal consegue-se encontrá-la.

    Tanta dor de um amor tão fugaz. Tanta morte, tanto choro, tanta cinza, tanto cinza…

    Mas ela não se arrepende.

    Photo.

  • Poeminha de segunda (à moda haikai)

    Poeminha de segunda (à moda haikai)

    Num mar de palavras
    Me perdi
    Você me encontrou
    Eu já não estava mais lá

  • Teu poema

    Teu poema

    O poema abaixo foi inspirado por uma música, “Affection” (Cigarettes after sex). Recomendo que escute ela ao ler o poema 🙂

    Espero três segundo e respiro
    Mentalizo o som e cada letra
    Antes de escrever teu nome
    Antes de pronunciar baixinho depois

    Você fumando na cama, nos lençóis desarrumados,
    O seu sorriso malicioso, sarcástico e doce (todas essas coisas misturadas)
    Quase disfarçado pela  fumaça espessa…
    O seu olhar atravessa a penumbra e sorri mais que teu sorriso
    E sorri pro meu sorriso
    E me acerta o peito com uma flecha inflamada de paixão

    Estou embriagada de lembranças e do seu gosto
    Cativa da tua língua particular (que faz uma miríade de palavrões parecer poema) e da tua prosa suja

    – Você é minha.

    Espero três segundos e respiro
    Mentalizo o som e cada letra
    Antes de aceitar a verdade
    Antes de te entregar meus pulsos amarrados

    – Sou (mesmo sabendo que você não é meu).

     

  • The big fight

    The big fight

    Todas as coisas fundem-se sob a luz da manhã: o passado, o presente, as memórias, os delírios. Dentro do castanho profundo é revelada a dor; tanta coragem e medo misturados. Uma expressão perplexa no seu rosto, cheia de incredulidade e confrontação. Suplica que pare, suplica que volte; dor e lembranças pulsam em um coração brilhante. Está longe, e no meio do mar só existe o azul – distante de toda praia, de toda pedra, de toda esperança. O cheiro de tinta fresca das paredes brancas, as plantas verdes, os móveis de madeira, a colcha de tricô, a chaleira vermelha, tudo perdendo sua materialidade. É Janeiro, mês dos mortos, dos náufragos e dos cansados. Pisca os olhos, pálpebras como asas de beija-flor, batendo como se fosse morrer se parasse… estreita os olhos cheios de desespero. Se abaixa devagar, encosta no chão o corpo todo, sente o piso duro e gelado. Olha para o espelho apoiado na parede, mas não reconhece o reflexo.  (Os movimentos são lentos e travados, mal sabe-se que por baixo da pele há uma guerra, um tumulto, trovões e tornados.) Sente os músculos relaxando, a estranha sensação de desistência física, uma tonelada de ar e pó sobre seu corpo, os remédios finalmente correm livremente em seu sangue. Sente frio e medo. Se despede baixinho, sussurrando com ninguém, enquanto uma lágrima quente escorre devagar.

    Photo by Samantha Cohn.

  • Eu deserto

    Eu deserto

    Uma tonelada no punho
    Uma vez.
    Outra, e mais outra.
    E nos ossinhos vermelhidão.

    Respiro, um, dois, suspiro, respiro pesado.

    Não adianta!

    Uma tonelada no punho, contra o azulejo lilás.
    Outra vez, outra, outra, outra, outra.
    Agora sim, sangue escorre da pele rachada.

    Choro um milhão de lágrimas e urro.
    Desisto e lembro da primeira poesia, quase tonta de tão dúbia:

    Eu deserto.

  • Lost in the light

    Lost in the light

    Tudo o que eu sou
    Eu não sei
    Eu ouvi você dizer
    E em todo o meu cárcere, sou real

    Você brilha e explode
    Como estrelas em fusão e desperdício
    Mas aquilo que você grita
    Não está lá (como o som na escuridão)

    Reconheço em mim todos os defeitos que você anota
    Reconheço de mim nos títulos das músicas que você não canta
    E nos livros que você não lê

    My tears are becoming a sea
    Yes, darling, they are, I am the sea
    And you really don’t see

  • gone green

    gone green

    Atrás do museu, tem um parque; atrás do parque, um bosque…

    Na minha frente, arbustos ou pequenas árvores – eu não sei distinguir – e me vejo nas folhas dessas árvores, desesperadamente balançando contra o vento, querendo voar, presas por si mesmas aos galhos que lhes dão vida.

    Voar e morrer ao invés de só observar a vida que passa…

    susannah b

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    Photo.

     

  • Ninguém mata o suicida

    Ninguém mata o suicida

    Emendou três anos sem tirar férias. Nunca dava. E almoçar sentado não era sempre. E quando dava, era tão rápido que a comida parecia sempre ter o mesmo gosto (independente do que fosse) e parecia sempre cair pesada no estômago, fazendo os pensamentos ficarem ainda mais truncados. Trabalhava há dez anos na mesma empresa e sentia-se estagnado há nove. Sempre batia as metas, mas sempre na tampa, no quase. Já não tinha certeza do quanto aquilo era bom… Se ficasse bem acima da média, se fosse um dos mais produtivos e eficientes talvez fosse promovido, recebesse aumento, tiraria férias, conheceria uma mulher interessante, casaria, compraria uma casa e um cachorro, teria dois filhos. Por outro lado, se nunca conseguisse bater as metas, talvez fosse demitido. Aí talvez aceitaria com relutância o emprego que a amiga da mãe conseguiu junto à Associação na qual ela trabalha. Lá, talvez, ganharia menos, mas teria menos gastos também já que poderia morar na casinha construída nos fundos da Associação. Trabalharia menos e comeria mais; engordaria um pouco e dormiria mais. Poderia assistir aos jogos no estádio. Talvez até adotasse um gato (que é um companheiro bem independente e combina bem com quem, como ele, não pode garantir muita segurança). Mas não. Ele sempre batia as metas. Sempre engolia sapo. Sempre queria morrer no começo do mês… Até hoje. Olhou pra água há metros de distância durante muito tempo. Sorriu um sorriso ambíguo, cheio de tristeza e de alívio. Depois, subiu no parapeito da ponte e pulou antes mesmo de equilibrar-se, antes que qualquer outra ideia lhe passasse pela cabeça. Pulou antes que pudessem agarrá-lo, antes que qualquer pessoa pudesse gritar. Pulou e caiu livre.

     


    Não dorme há três dias. Ao menos, não mais do que duas horas seguidas. Não sai do quarto há três dias. Ao menos, não mais do que até o banheiro ou até a sacada. Já perdeu a conta de quantas carteiras de cigarro fumou. A julgar pelas bitucas que enchem os dois cinzeiros e as muitas xícaras-cinzeiro-improvisado, milhares. Já bebeu muito café, todo  o estoque de cerveja, meia garrafa de vodca, uma garrafa de vinho barato. Não lembra de quando comeu pela última vez. Não lembra quando chorou pela última vez apesar de ter chorado copiosamente algumas vezes nos últimos dias.  Acredita que nem os cigarros, nem a bebida e nem a ausência de sono o fizeram menos lúcido – está enganado. Está tremendo, fedendo, esquecendo palavras – todas menos duas: o nome dela, o adeus dela -, confundindo imagens – lembranças, sonhos, delírios -, negligenciando sons – o telefone tocando, a batida na porta. Está cansado. Abre o potinho, pega um punhado de pílulas para dormir, toma duas. Acha ridículo. Toma mais dez. Derruba mais algumas na mão em concha, pronto para tomar mais – aquilo dá um certo prazer, estranho. Quando leva a mão à boca, dorme. Tudo é transe, leveza, esquecimento. “Adeus”.

     


    Trinta e sete anos, virgem. Gay. Só se assumiu um ano atrás quando foi expulso do seminário. Ainda usava o crucifixo de madeira no pescoço e ainda rezava o Pai Nosso todos os dias. O fim da prece era sempre marcado pela tentativa de perdoar a todos e chorava de raiva, de ódio, de frustração – ainda não aceitava o fato de não o aceitarem, o fato de não se aceitar, o fato de não aceitar eles, aquele bando de gente feito de ignorância e incoerência. Não bebia, não fumava, não cheirava. De vez em quando, se cortava. Mas foram poucas vezes. Aquilo fazia ele se sentir ridículo. Um homem de quase quarenta anos agindo feito um adolescente… Resolveu que não aguentava mais nada daquilo e apesar dos conflitos de amor e ódio, resolveu que queria encontrar o Senhor – que Ele entenderia. Só que não tinha coragem de se matar… assim, tradicionalmente. Cortar os pulsos, dar um tiro na cabeça (Não consegue nem arrumar um baseado para experimentar, vai arrumar uma arma onde?! pensava), pular de um prédio, tudo inviável. Começou a abrir todas as portas de todos os armários da casa procurando por uma ideia, uma solução. Na dispensa riu diante da ironia: “Diabo Verde”. Ah, mas é tu mesmo! E virou uns vários goles antes de pensar de novo. O que aconteceu com aquele corpo eu não consigo nem descrever direito. Talvez tenha mesmo sido algum tipo de possessão antes do espírito sair do corpo, porque cada músculo, veia, nervo, osso, membro – cada um esticou-se, dobrou, soltou, levou choque; tudo era convulsão, a vida girando, o teto caindo, a mãe gritando, o chicote batendo, a tremedeira, a dor, o gosto de sangue. Sem controle algum de mais nada, rolou escada à baixo e encontrou o chão. De lá, daquela versão contida e disfarçada de sarjeta, o corpo todo torto e quebrado, a alma livre, viu o seu Senhor sorrindo boas-vindas.

    Os três textos foram inspirados pela frase título (que ouvi essa semana no trabalho e achei maravilhosa) e pela série The Suicidist (1973-2007) de Sam Samore 😉

  • You are not there.

    You are not there.

    If we were together, on weekends I would prepare you a marvelous breakfast with so many delicious things you wouldn’t be able to eat it all. I would prepare it while you lay on the sofa watching cartoons – because you always wake up earlier than me and, even when I try, the best I can is to wake up at the same time as you do – and, you would hear me singing in the kitchen as I cook. I would fix up a beautiful table at the garden when it is hot and sunny and, in the winter I would take it to bed. And then we would go to church together. It would be so refreshing to go to church holding hands, knowing that we both understand (with our hearts) what is so important to both of us…

    If we were together I would try to accompany you in as many as possible trips, because you travel too much and we would miss each other too much if you went alone all the times. Besides, that’s work but with me there it would be so much more fun. While you were in meetings and paying visits to clients and partners, I would walk the city and find a charming and cozy coffee shop where I could settle for some days and work too – I would write. I would finally write for real. And the characters of my stories would be the witnesses of our adventures. At the end of the day, I would give your tired shoulders a good massage and then we could dine and drink. We would drink wine. Man, we would drink so much wine! And we would take home the corks as souvenir, we’d fill huge beautiful glass jars with them…

    If we were together, when you were to travel without me I would fill up your bags with little surprises as kind notes inside your pants pockets or some candy. I would send you funny videos saying that the dog and I were missing you. Or maybe I would send you a picture of a pink Victoria Secret’s little bag.

    If we were together, it would be great to miss home – knowing we both think about the same place for “home”. We would come for the Christmas holiday and we would have that long lunch with your father, your sister and her husband. You would spend the whole afternoon talking to them about business, politics, church, music… She and I would be happily talking about the poetry of that Iranian movie or fixing a day to go to a concert of a “poor band that does not even has a drummer”. We would play games at night and drink and eat all that marvelous things your father always seem to be preparing. Then, we we would go to the beach to see your mom. She is all about the simplicity of life…! I always loved that. It would be sweet to listen to you too talking; I would let her spoil you while I walk by the sea shore. Days of kisses with taste of salt and coconut water.

    If we were together so much would make sense… But you are not real, you are not here, you are not there. You are a phantom; you are present by your absence in the present, in the future, in the past.


    unnamed

     

    [Edward Hopper]