A frustração transformou-se em raiva e a raiva em gatilho. Eu já tinha bebido um pouco para me distanciar daquela sensação de perceber a realidade de forma aguçada demais… Daquela certeza terrível de que estou vendo a vida sem a fantasia das possibilidades e a ilusão das individualidades; de que estou vendo a coisa toda como ela é e, pior, de que vejo isso sozinha. Me sinto Edward Norton em “Fight Club”, assistindo às explosões mas, sem Marla Singer segurando minha mão. E é por isso que apelo: mais álcool.
Pouco depois, estamos no Purgatório (bar de nome super sugestivo onde fomos procurar diversão). Aquelas luzes neon atravessando a escuridão ainda não me fazem esquecer a frustração e a raiva que alimentam minha arrogância intelectual. Olho para as duas amigas que estão comigo no balcão do bar e, disparo “Eu vou ficar com uma menina”. A expressão delas é uma mistura de empolgação e incredulidade. “E quer saber? Eu vou ficar com a menina mais gata que estiver neste bar hoje”, termino. Elas riem e, em seguida já estão olhando as pessoas do bar como quem procura caça. Eu aponto uma menina que está à mesa, sentada com um grupo de umas quatro outras meninas, mexendo no celular. Minhas amigas alertam: ela parece hétero. Dane-se, eu também sou.
Quando ela saiu para fumar, uma das minhas amigas estava discotecando e a outra me pega pela mão e me puxa até a porta, até a rua, na frente do bar. Minha amiga me conhece, sabe que aquela minha coragem não passa de pose. Nem eu acredito mais nela. Enquanto acendo meu cigarro minha amiga já puxou papo com a tal garota. Em menos de dez minutos ela já havia me apresentado e voltado para dentro do bar “para ir ao banheiro”. Para minha surpresa, conversar com aquela menina era muito fácil, parecia que eu já a conhecia. Chocolate. O apelido era esquisito mas combinada com ela.
Dois caras se aproximaram e tentaram entrar na nossa conversa. Minha irritação volta. Homem é mesmo tudo igual: acreditam na matemática idiota de, se tem duas garotas e se eles são dois, não tem como “dar errado”. É uma para cada um, sucesso. Nessa prepotência mesmo. E eles nem eram super bonitos para achar que assim, chegando e mostrando nada, já nos convenceriam do quão irresistível eles eram. Eu não estava interessada em nada do que eles estavam falando e, para minha feliz surpresa, ela também não parecia estar. Foi quando falei (tentando ser educada e, doce até): “Meninos, desculpem, mas vocês estão atrapalhando…”. Respondi à pergunta que apareceu no rosto deles continuando “eu estou tentando paquerar ela”. Antes que alguém dissesse qualquer outra coisa, Chocolate me segurou pelo pescoço, trouxe o corpo para perto e me beijou. E eu beijei ela e esqueci de todo o resto. Quando nos soltamos, entre risos, vimos os dois garotos ao nosso lado ainda, parados, de olhar vidrado. Antes de darem as costas e saírem andando, um deles balbuciou “Obrigado”. Minhas amigas apareceram perto de nós com cervejas nas mãos; ofereceram uma a mim e uma à Chocolate. Senti-me Edward Norton de novo. Mas não o Edward Norton raivoso da maior parte do filme, não. Senti-me aquele que volta a não ter tanta certeza e conforma-se mais com o presente errado. Talvez por ter Marla ao seu lado, segurando sua mão. Parecia que eu via de novo a vida sem certezas sobre o passado, o futuro e sobre o que as pessoas são. Só tinha certezas sobre o presente. Naquela noite, uma conformidade era a realidade, a conclusão, a alegria: beber cerveja e beijar uma menina linda – a melhor maneira de sentir raiva dos homens. Let’s cheer to this.
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