Meet me in Montauk…

Entrou na Ghignone para fugir da chuva. Pediu um chá de menta e abriu um livro. Quando ergueu a cabeça para agradecer o garçom, viu João entre os livros de arte e fotografia. Oscilou por alguns segundos; levantou e foi até lá.

Depois de meia dúzia de palavras de saudação e surpresa, sentaram-se à mesa dela. João pediu um expresso e outro chá de menta (para ela). Ela insistiu que não, ele insistiu que sim – o dela havia esfriado por culpa dele. Enquanto esperavam as bebidas, João mostrou orgulhoso sua nova aquisição: The Polaroid Book. Ela riu do jeito infantil e feliz com que ele falava. “Eu tenho esse livro. Ele é lindo. Você vai amar”, disse abrindo o livro, procurando algumas das suas fotografias favoritas para mostrar a ele.

– Você ainda fuma?

– Às vezes.

– Tem cigarro aí?

– Tenho, respondeu rindo por ter sido “descoberta”.

Ele riu e levantou. Foram até a entrada; ainda chovia e sob o guarda-chuva preto dele acenderam seus cigarros e tragaram em silêncio por um momento. João ainda usava aquele casaco preto. Parecia estar mais ruivo… talvez por causa da barba. Maria ainda usava o cabelo comprido e aquele colar com pingente. E batom vermelho. Ambos foram tomados por uma estranha sensação como se aquele encontro estivesse acontecendo em outro tempo, antes.

Maria quebrou o silêncio perguntando como estava a esposa. Ele disse que bem sem muitos detalhes. Depois adicionou “agora temos um passarinho”. Os olhos dela saltaram questionadores sobre ele. “Numa gaiola?”, e ele balançou a cabeça afirmativamente. “Nunca imaginei que você teria um pássaro! …nunca imaginei que você manteria preso algo que sabe voar”.

*

Naquela noite, João chegou em casa irritado. A sala azul parecia ter diminuído de tamanho. A mesa preta parecia cheia demais de coisas: agenda, papel, sacola, canetas, o computador, fotografias, caneca. Reparou numa rachadura pequena perto da luminária; nunca tinha reparado antes. Abriu uma cerveja, sentou no sofá, fechou os olhos, esperou aquele estranhamento passar. De repente, levantou. Marchou até a varanda e sem espaço para dúvidas, abriu a gaiola. Pegou o passarinho assustado e o colocou sobre o parapeito da varanda: poucos segundos depois ele já não estava lá.

Voltou para o sofá. Parecia ter-se livrado de um enorme peso sobre os ombros… Bebericou a cerveja, colocou “Kind of blue” para tocar, fechou os olhos e aproveitou aquela satisfação que, ele sabia, acabaria quando a esposa desse conta do sumiço do passarinho.

ghignone

Foto: acervo pessoal. / Me julguem: ainda não superei o fim da Ghignone :~

Meet me in Montauk: porque o filme é lindo e porque alguns encontros a gente marca no passado, faz na memória (real ou construída).

Por acaso, escrevi o conto ao som de Sarah Jaffe e, de repente ela estava repetindo “I wish my/ I wish my/ I wish my/ I wish my name was Clementine…” ♡


por

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *