Not enough

Ela estava cansada. Não. Cansada era pouco… Estafa dominava aquele corpo tão pequeno. Ainda assim estava linda. Deitou a cabeça no meu colo e mexi no seu cabelo e acariciei seu braço até pegar no sono. Foi quando percebi os espasmos: suas mãos e seus pés mexiam-se de tempos em tempos, involuntariamente. Depois ela me disse que era efeito colateral de um dos remédios. “Vamos para a cama?”. Era como perguntar para uma criança de cinco anos. Conduzi ela até minha cama, ela sentou, tirei suas pequenas sapatilhas e coloquei do lado – alinhadas uma à outra e ambas à parede e à cômoda, já que ela e eu sofremos desse “toque” absurdo por simetria e organização. Ela estava praticamente adormecida de novo quando puxei a coberta até seus ombros e beijei de leve sua cabeça. Saí de passos furtivos, voltei para a sala e me acomodei no sofá. Eu também estava cansado e dormi logo.

*

Umas duas, três horas depois recebo uma mensagem no celular: “‘tá acordado?”. Fui até o quarto, bati de leve duas vezes na porta. Quando a porta abriu-se, a luz do corredor iluminou o rosto dela e a primeira coisa que vi foram seus olhos absurdamente vermelhos, a pele rosada e molhada. “O que aconteceu?” e senti o tom de desespero na minha voz. “Deita comigo? Não quero ficar sozinha”. Abracei ela e senti lágrimas quentes molharem meus braços no silêncio e na escuridão. Parte de mim sabia que não poderia proteger ela e que o medo que ela sentia era justificável.

*

Ouvi o barulho do chuveiro – ela acordou – e terminei de beber o café preto sem açúcar. Ela foi à sala tão luminosa que era quase impossível de acreditar que havia passado grande parte da noite chorando, que estava cansada, quebrada. Alcancei uma caneca para ela que recusou com a cabeça, emendando um agradecimento automático. “Vou indo”, ela disse. Insisti que a acompanharia até a estação. Caminhamos em silêncio. O trem já estava parado, portas abertas. Foi quando vi seus braços arrepiados. Frio? Não. Logo depois lembrei que quando ela segurava o choro, os pêlos do braço arrepiavam-se. “Se cuida”, falei esperando que aquilo comunicasse mais. Não sei se o trigger foi minha voz mas, uma lágrima caiu. “Não chora, pequena. Você vai ficar bem”. Ela respirou fundo mas, outras lágrimas já desciam pelo rosto que não mexia um músculo sequer, elas só fluíam… “Eu vou sentir saudades” e me abraçou. Senti o perfume do cabelo dela, senti o peso do corpo dela sobre o meu conforme ela equilibrava-se na ponta dos pés. Foi, provavelmente, o abraço mais longo que já recebi. Not long enough though. Ela entrou no trem; ficamos ali, um de frente pro outro até a porta se fechar, até o trem partir. E foi a última vez que a vi.

laydown

Se alguém descobrir de quem é a ilustra, me passa que eu boto os mega-merecidos créditos aqui, haha 🙂

 


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Comentários

2 respostas para “Not enough”

  1. Avatar de lisdelbarco

    Nhaaaaaaai, sua opinião tem um super peso, Ju! Que bom que gostou! Obrigada 🙂 E, viu só? Voltei! 🙂

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