Primavera brasileira – duas considerações

Desde o começo do mês temos visto uma revolução tomar conta do país. Muito têm-se dito sobre ela e, eu acho ótimo. Quanto mais, melhor – porque é relevante, necessário, urgente. Entretanto, ao invés de explicar o que está acontecendo ou relatar algum fato específico, minha consideração sobre esse momento tem dois focos principais: uma argumentação contra o pensamento daqueles que sentem-se no direito de considerar-se neutros e, daqueles que incomodam-se com a “revolução de sofá”. Adianto que sou absolutamente contra as duas linhas de pensamento.

Entre os muitos textos e relatos que li nestes últimos dias, surpreendi-me com várias pessoas vários brasileiros dizendo que conseguiam ver os dois lados da história e que por isso não tomariam partido. Acredito que, em grande parte das vezes, há boa intenção desse discurso. Porque, quando falam de dois lados da história, essas pessoas estão (a grosso modo) dividindo ela entre o lado “dos protestantes” e o “da polícia”. E, de uma forma geral, é lindo ser sensível e humano o suficiente para lembrar-se que nem tudo é tão rigorosamente dividido (como bem/mal, certo/errado) e, assim, ver os dois ou mais lados de toda história ou situação. Entendo que quem coloca a polícia como “o outro lado” da situação tem lá seus motivos para fazê-lo. Existem policiais que não estão agredindo protestantes; existem pessoas que estão, de fato, vandalizando (o que incita os policiais a ver os protestantes como ameaça); existem policiais sérios e comprometidos com seu serviço e missão – e, por diversas vezes, eles são olhados como inimigos tanto quanto os policiais que não têm a postura correta. A primeira grande questão aqui é que a polícia não é o inimigo; não é o “outro lado” da história. O inimigo é o governo – quem quer que faça parte dele que age ou permita que ajam com corrupção, desonestidade, falta de compromisso e respeito para com a população. A polícia, ao contrário, é parte da população – da pátria que somos – e, deveria estar ao nosso lado. Inclusive, tem sido convidada a isso de forma prática (1). Porque, se ela (como corporação) escolhe apoiar o governo opressor, acaba por ser nociva a si mesma atingindo os indivíduos que a fazem existir, bem como àqueles a quem deveria defender.

Isso posto, temos um inimigo comum: o governo opressor. Dizer-se neutro é colocar-se à parte do que está acontecendo. O problema é que esse é um luxo que brasileiro nenhum tem direito de ter neste momento. Talvez, sim, o direito constitucional lhe garanta essa covardia. Agora, digo-lhe que não tens esse direito no sentido de que isso não é algo que lhe diz respeito somente. Se você está no Brasil, não está à parte do que acontece aqui. Sua insensibilidade frente ao caos da nação será fortemente sentida por todos. Por isso, pare de fingir que o problema não é seu – porque é. Ele pode não te afetar tanto quanto àqueles que moram numa favela ou àqueles que recusam-se a pagar R$3,20 por um sistema de transporte precário… mas, o problema é tanto seu quanto deles e ainda pode te afetar muito mais do que você imagina. Toda história tem, sim, ao menos dois lados. Você está num deles, querendo ou não. Escolha lutar pelo lado oprimido – porque é o certo; porque é o mais forte (está descobrindo isso) e está erguendo-se.

Quanto ao defensores do pensamento reacionário que condena a “revolução do sofá”, acredito que estejam parcialmente certos: apenas postar foto e compartilhar notícias nas redes sociais não vai mudar nada. O que suscita, no mínimo, duas questões: qual a diferença que isso faz e, se essa diferença é, ou não, significante e suficiente.

A primeira, portanto, é a diferença da informação. A informação – por si só – não faz nada. Ela capacita. É apenas munido de informação que pode-ser enxergar possibilidades, tomar decisões diferentes das usuais e impostas, agir. Vive-se repetindo que um dos maiores problemas do Brasil é a falta de Educação (ou sua precariedade) e que é a educação que pode salvar este país. Certamente não somente por aquilo que aprende-se dos livros. Resolver uma equação química ou saber distinguir verbo, adjetivo e substantivo não nos ajudará nesse momento crucial. Então, por que é que a educação é tão importante? Porque ela ensina a importância da informação – e dá meios para buscá-la. Um povo que tem condições de buscar a informação de diferentes fontes tem muito mais chance de conseguir ver a verdade – ou, o mais próximo que se possa chegar dela -; mais chances de enxergar possibilidades, tomar decisões diferentes das usuais e impostas, agir. Toda a informação compartilhada e todo o posicionamento feito através de meios de comunicação como a internet podem não resolver o problema mas, são como tambores de uma batalha: dão aos soldados força, ritmo, sentimento de coletividade, motivação. Por isso, se há pessoas participando da revolução lá do sofá delas, simplesmente compartilhando fotos e textos, lembre-se que essas pessoas estão disponibilizando informação e, que essa informação pode ser verdade e, se for, pode empoderar indivíduos… ou uma nação.

Assim, a segunda questão – se é significante e suficiente – fica ainda mais clara. A “revolução do sofá” é significante porque traz a informação mas, não é suficiente – absolutamente não! Mesmo não sendo suficiente, é mais do que nada. E, pior do que ficar apenas no sofá compartilhando informação é não fazer nada ou fazer algo contraproducente (como comentar o jogo de futebol enquanto manifestantes estão do lado de fora do estádio, apanhando e ardendo sob o efeito do spray de pimenta para melhorar o país). Portanto, se você faz mais do que ser um “revolucionário de sofá”, se você vai às ruas reclamar o que é seu por direito, se você manifesta-se diante das injustiças que têm acontecido neste país: obrigada! Você tem meu respeito, minha admiração, meu apoio. E meu apelo: continue. Finalmente estamos sentindo-nos, como nação, capazes de sonhar com uma verdadeira revolução e mudança. E, se você faz menos do que um “revolucionário de sofá”, crie vergonha.

primavera-brasileira


Foto: http://pinterest.com/pin/46513808624339063/
(1): http://www.youtube.com/watch?v=jPo6Bg8u5ss

Des bisous.
E, espero te encontrar na rua.


Publicado

em

,

por

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *