O livro que me traz até aqui chegou tem uns dois, três dias. Chegou pelo correio, eu comprei pela internet, mas de um sebo, de forma que o livro é usado e alguém já o leu e fez o que eu tinha esperança que fizesse: anotações nas páginas. Essa pessoa que leu o livro e anotou comentários sobre os contos que vamos ambos ler é meu confidente hoje, mesmo sem saber. Eu o imagino – o meu confidente – homem de vinte e poucos anos, moreno, tímido, cheio de sensibilidade. Eu escrevo para ele ouvindo Thelonious Monk. A personagem do primeiro conto gostava dele, como eu. Pulei duas músicas e deixei tocando uma cujo título me parece uma piada… porque eu gostaria de sugerir o imperativo a mim mesma, e sei que a tentativa seria ridícula sem a menor chance de sucesso. Estou ouvindo “Worry later”. Queria poder dividir com ele essas palavras no balcão do bar. Não sendo possível, gostaria de dividi-las com ele anotadas a lápis, como as dele sobre as páginas amarelas do livro. (Mas não sei nem seu nome, quanto mais seu endereço para que pudesse mandar uma carta escrita a lápis!) Queria estar bebendo enquanto escrevo e saber que ele estaria bebendo ao me ler. Queria que ele, de alguma forma, me encontrasse… porque eu sei que me ajudaria. Provavelmente me beijaria e se faria distração para mim. Distração parece pejorativo, mas acredito que ele sabe que eu saberia: distração, na verdade, seria descanso, e eu tomaria isso como uma imensa demonstração de carinho. (“Ele sabe que eu saberia” me faz lembrar de Lenine. Aposto que ele gosta de Lenine também) Talvez o carinho até virasse amor e me salvasse. De qualquer forma, tudo isso é devaneio… porque eu não sei quem ele é, mas eu sei que meu confidente existe. Ele deixou um registro no mundo para que eu soubesse que não estou de todo louca. Eu não sei onde ele está (como sei que é moreno), mas sei que está por aí em algum lugar e por isso lhe escrevo.
Como é que eu poderia me não me preocupar? Adormeci antes das nove da noite porque estava para além de estafada depois de uma semana que não vai terminar hoje (e é sexta!). Estava tão cansada que o livro que queria tanto ler ficou esses dois, três dias dentro da bolsa… sem que eu conseguisse mexer nele porque estava o tempo todo trabalhando, correndo, enlouquecida. Desmaiei na cama sem intenção, e acordei antes da meia noite num pulo, de palpitação, assustada não com um pesadelo, mas com sonho. Foi desses bem estranhos e reais. Estávamos na sala e uma música tocava. Ele me puxou para dançar. Ele sabia dançar assustadoramente bem e isso não me impressionava (naturalmente sabia dançar, isso fazia muito sentido), mas me assustava como tudo o mais sobre ele. Eu me sentia idiota sem conseguir acompanhar as idas e vindas dos seus passos, e me preocupava horrivelmente com seus braços em torno de mim. Não por ser uma sensação desagradável, mas por ser agradável demais, perigosamente agradável demais. Depois de me girar num rodopio, me puxou para perto e sussurrou “não tenha medo”. Nada poderia me fazer sentir mais medo, nada poderia fazer com que me preocupasse mais (ou depois). Senti o medo me pressionar o peito e me cortar o ar, me fazer abrir os olhos perturbada com a ideia de que se eu fechasse eles de novo, voltaria àquele momento sem ainda saber o que dizer ou fazer. Ainda não sei, e aceito qualquer sugestão… Aperte a minha mão, me ajude a fincar os pés no chão ou a fugir. Meu bem, “nada disso aconteceu, mas é tudo verdade”. Socorro.
P.S.: eu sei que é ridícula essa minha mania de misturar Português e Inglês, mas não me parece fazer mais sentido de outro jeito. Aceito sugestões para isso também. De qualquer forma, a outra questão é mais urgente. Por favor, tente me encontrar.
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