Meses e meses de trabalhos e projetos, incontáveis noites sem dormir e os pulsos já ferrados de LER. Sim. Isso porque éramos calouras e levávamos a faculdade muito a sério nessa época. Ah! Se as meninas que éramos pudessem nos ver agora…! Chego a rir diante da ironia.
Mas, enfim, estávamos – finalmente – de férias. E fomos as duas para a praia. Que lugar melhor para passar os dias de ócio, não é? E fomos cheias de expectativas com todas aquelas histórias clichês de romances e aventuras na cabeça. Ainda bem que não era só eu.
Numa das noites estávamos no centro, caminhando pela avenida principal, bastante perdidas sem saber ao certo em que bar entrar, como puxar conversa com novas pessoas ou o quê fazer. Queríamos aproveitar tudo ao máximo só que que não sabíamos nem começar.
Como mágica apareceram dois garotos muito simpáticos. A conversa fluía e logo eles propuseram: – Vamos num luau na praia?
Meu deus! Parecia a resposta das nossas orações! Um luau na praia, cantar à luz da fogueira, assistir o nascer do sol (mesmo não tendo a menor ideia de qual praia ficava ao leste)… era tudo o que queríamos. Topamos na hora sem pestanejar. Eles disseram que precisavam apenas buscar o violão em casa. Entramos os quatro num carro velho que eu nem saberia identificar e adentramos a ilha por ruas de terra batida, pouco iluminadas e tortuosas. Nesse momento, eu olhei para a Ana tentando passar através do olhar a mensagem: estou com medo e isso pode ser uma grande merda, hein? O olhar dela dizia exatamente a mesma coisa.
Enfim, eles pegaram o violão, voltaram para o carro e estávamos mais uma vez nos solavancos do carro em direção a uma praia. Era o que esperávamos, ao menos. Porque, à essa altura do campeonato, não tínhamos a menor ideia de onde estávamos.
Não muito tempo depois chegamos a uma praia onde, logo pudemos ver uma grande fogueira, cercada por umas trinta pessoas. Respiramos aliviadas! A animação fez-se num sorriso e fomos caminhando apressadas na direção daquele pessoal hype.
Antes que chegássemos lá nossos “anfitriões” falam: “ – Não… Lá tem muita gente. Vamos mais pra frente”. Porra. Tudo errado. Nossa ingenuidade (dupla, meu deus!) não nos permitiu ver antes o que eles queriam. Sentamos perto do grupo da fogueira mas, longe o suficiente para que os dois mocinhos pudessem começar a cantar músicas aleatórias e fazer tentativas baratas de paqueras. Na cabeça deles aquilo devia ser óbvio e bastante prático: uma de nós para cada um deles. Mas, enfim, quando vimos que não ia ter jeito de se enturmar com o pessoal da fogueira e eles se convenceram que não haveria romance nem beijo entre eles e nós… resolvemos todos voltar ao centro.
Fomos, Ana e eu, deixadas no centro da ilha lá pelo meio da madrugada. A gente já estava com cara de fim de noite com o cabelo armado de maresia, a maquiagem borrada e com cara de cansada… Não tinha quase ninguém na rua e estávamos realmente irritadas com o desfecho da noite e com a nossa ingenuidade burra. Em parte, como auto-flagelação (como se fosse adiantar algo), resolvemos não gastar mais naquela noite fatídica. Então, ao invés de pegarmos um táxi para voltar para o apartamento onde estávamos hospedadas, sentamos no banquinho do ponto de ônibus e começamos a longa espera pelo primeiro ônibus da manhã.
Eu encostei no ombro dela e, estávamos as duas com os olhos pesados, quase dormindo ali mesmo. Com certeza parecíamos duas bêbadas erradas na vida. Um tempo depois de termos nos “acomodado” naquele banco (se é que se pode dizer isso daquela nossa situação…), um carro parou pertinho e, de dentro dele ouviu-se a voz fininha de um adolescente de cabelo azul: “Hey, querem uma carona?”. Maior cara de bonzinho que ele tinha! Cara de menino mesmo… sem maldade. Se duvidar, nem idade para dirigir tinha. E, do lado dele, um outro garoto que devia ter mais ou menos a mesma idade e sorria docemente (acho que porque se compadeceu mas também porque achou engraçada nossa situação).
Ana me olhou, eu olhei para ela e, de novo nossos olhares compartilharam a mesma mensagem: “chega de dar sorte pro azar por hoje, né? Chega de cagada”. Agradecemos mas, negamos a oferta. Eles insistiram e nós, mais uma vez – dessa vez nos sentindo super sábias e maduras – insistimos que não, sorrindo e agradecendo.
Tão logo eles partiram, combinamos: se, por um milagre, meninas nos oferecessem carona, aceitaríamos. Estávamos muito cansadas e frustradas, desejando muito a cama quente e um café forte depois de horas de sono. Uma carona seria ideal. Mas, não queríamos nos arriscar de novo. Não aceitaríamos carona do sexo masculino, mesmo se fosse oferecida por meninos novinhos e bonzinhos.
Ah! O Universo que ouve nossas palavras! Ah! O Universo que ama a ironia!
Não muito tempo depois um carro parou ao lado do nosso posto de fracasso. Duas loiras dentro dele, lindas, dizem: “Meninas! Hey! Querem carona?”. Olhamos uma para a outra incrédulas! Aceitamos com um sorriso gigante no rosto sem ter ideia do que ainda viria pela frente…
Quando a loira do banco do passageiro abriu a porta para entrarmos é que vimos, sentado no banco de trás, um cara – só de sunga e todo cheio de areia pelo corpo. Não bastante, entramos tropeçando em latas de cerveja e garrafas de tudo que é bebida alcóolica. O olhar de desespero voltou e, quase pulei pra fora do carro mas, a porta do carro já estava fechada e antes que percebêssemos, já estávamos em movimento, numa velocidade no mínimo imprópria, ouvindo as histórias malucas das aventuras da noite anterior dos três personagens do carro que acabara de nos acolher. A Ana, que estava no meio, me pressionava contra a parede e a janela do carro, tentando não encostar naquele homem à milanesa. Os três estavam um pouco bêbados ainda. A loira que estava dirigindo disse: “Precisamos parar pra um café”. E parou no posto de gasolina logo a frente. Ana e eu pensávamos: “aleluia, graças a Deus! Vai, menina! Toma mesmo um café forte e amargo pra passar essa bebedeira e a gente não morrer aqui…”. De repente, ela sai da loja de conveniências do posto com pelo menos quatro cervejas nas mãos. Entra e fala rindo: “Ae, café da manhã, gente!”. Acho que naquela hora a gente começou a rezar em voz alta mesmo mas, era tanto nervoso que eu nem saberia dizer com certeza. Comecei a insistir que eu podia conduzir o carro mas, ela nem dava bola… Estava muito ocupada rindo e contando mais histórias. As vezes ela parava no sinal vermelho, as vezes, não. Era como uma verdadeira roleta russa do trânsito. Juro que eu não parava de rezar! Só imaginava o grande fiasco de morrer assim – depois de uma noite frustrante e uma carona maluca – e, ainda ter que (alguém) contar para meus pais. Eles nunca veriam o tragicômico da história, claro, mas, eu que via não me conformava! Se tinha algo que me consolava um pouco era a expressão da Ana de desespero dobrado – por tudo o que eu sentia e pensava (que ela compartilhava) e ainda ter que se esforçar para não encostar no homem de sunga cheio de areia. Até agora não sabemos se ele era gay ou não…
Num dos sinais vermelhos que a loira resolveu parar, ficamos do lado de um caminhão. O caminhoneiro, que não era bobo nem nada, cresceu os olhos pra cima da loira do banco do passageiro que, além de linda, estava só de calcinha e uma camisa abotoada pela metade. Quando a loira que estava dirigindo percebeu isso, começou a passar a mão nas coxas da loira ao lado e, rindo, gritou pela janela para o motorista do caminhão: “Tá vendo isso? É tudo meu!”. E as duas, rindo, se beijaram.
O sinal abriu e a loira, empolgada, pegou uma via na contra-mão. Nisso, a Ana no desespero: “É aqui! Tá super pertinho! Nossa! É aqui mesmo, pode parar! Muito obrigada, pode parar!”. E, ela parou sem a menor cerimônia. Agradecemos a carona e saímos correndo enquanto o trio ainda fazia propostas de encontros mais tarde naquele dia para mais aventuras alcóolicas! Acho que eles não se deram conta de quando saímos de lá de verdade e ficaram ainda falando, cantando e rindo durante todo o trajeto como se nada tivesse acontecido…
Corremos para casa. Os colchões arrumados no chão da casa do meu amigo que nos recebia pareciam uma verdadeira miragem… E, antes que eles sumissem, nos jogamos neles – de maquiagem borrada, suadas e tudo! A pressa era dormir. A pressa era acordar! A pressa era, ao acordar, certificar-se que estávamos vivas, inteiras e menos ingênuas…
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Foto: http://www.flickr.com/photos/imop/5577716788/in/faves-florde_lis/
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