Yet untitled (3)

Senti que perdi o controle sobre meus movimentos; senti meu corpo ser elevado, preso somente pelas algemas, como uma âncora… Senti como se a gravidade, rarefeita aos poucos, desaparecesse e abandonasse meu corpo. Senti o som todo ao redor ficar abafado, misturado, difícil de distinguir. Senti meu coração palpitar. Senti o ar entrando nos meus pulmões com dificuldade (foi quando percebi que eu estava prendendo a respiração).

Ele olhou para ela pedindo permissão e ela acenou que sim com a cabeça. Ele caminhou até a cabeceira da cama – só conseguia acompanhá-lo com o olhar – tirou do bolso a chave e, destrancou as algemas. Foi quando senti uma lágrima escorrer pelo meu rosto. Eu flutuava como um balão de hélio a uns dez centímetros da cama. Ele pegou um tubo de tela enrolada que estava encostado na parede; desenrolou-o e estendeu-o na cama. Eu não tinha reparado no teto até então… Era sutil mas, contra o gesso branco do teto, centenas de palavras escritas com uma tinta clarinha, amarela. 

Acordei do devaneio quando senti o cheiro e sensação gelada da tinta sobre a minha pele. Senti ela pegar minha mão esquerda e colocar um anel no meu dedo. Ele chegou perto de mim e sussurrou: “não chore”. 

*

 

Lembro até o hoje o dia que eu conheci ela: a gente sentou naquelas poltronas vermelhas contra as paredes rosa envelhecido. O ar estava completamente cheio do aroma de pão fresco… E o café pretinho na xícara florida trazia memórias de casa. Não é minha melhor característica mas, eu sou muito detalhista. Percebi que ela fazia tudo com a mão direita, exceto segurar a xícara florida do café pretinho… Perguntei e a resposta me pareceu boba na hora, eu ri, mas me convenceu e é algo que eu faço até hoje. Ela disse que era a regra do Clube Secreto do Café, que como a grande maioria das pessoas é destra, a grande maioria das pessoas segura a xícara com a mão direita; como o fluxo de pessoas em cafés e bares é muito grande, não se pode ter certeza do esmero empregado à tarefa de lavar a louça. Assim, por frescura mesmo, para beber o café do lado mais limpo, a regra é segurar com a mão esquerda. 

Depois disso, descemos a rua arborizada, quebramos duas, três ruelas até a margem do rio. Caminhamos ao lado dos barquinhos mais em silêncio do que conversando. Nos apoiamos na ponte e ficamos ouvindo o barulho da água e das pessoas. 

Eu entreguei a ela meu livro favorido, “Cartas A Théo”, uma compilação das cartas de Van Gogh a seu irmão. Depois disso, quinze dias se passaram até que eu a vi de novo.


[To be continued].


por

Tags:

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *