Yet untitled (2)

Foi quando me ocorreu a ideia mais básica de todas! “Digo que tenho que ir ao banheiro e, mando uma mensagem para o Jean. Passo o endereço, peço para ele vir aqui”, claro. Pergunto toda gentil e calma onde é o toilette. Ele indica a porta do outro lado do quarto, à direita. Levantei e, na mesma rapidez que eu fui pra cima, fui pra baixo, caí – como se no momento em que o topo da minha cabeça encontrou no ar seu ponto mais alto, encontrasse também a ponta da varinha mágica que me transformou em ser desmaiado, sem força, sem esqueleto para sustentar qualquer intenção do corpo…

Acordei não sei quanto tempo depois. Poderiam ter-se passado horas ou minutos, eu não saberia dizer. Tentei me orientar, perceber onde estava cada parte do meu corpo porque acordei toda desajeitada. Eu já não estava na cadeira; estava na cama. Os braços para traz levados para perto da cabeça pelos pulsos que estavam presos à cabeceira da cama pelas algemas. Claro. Que piada. Estava vestida, ao menos. O quarto estava vazio. Minha cabeça doía, me sentia zonza… Meus olhos pesavam… Fechei os punhos, puxei os pulsos com força num movimento que eu sabia ser ineficaz, ingênuo, quase bobo. Mas o fiz esperança de espantar a dor e a sonolência. Foi nesse movimento que percebi que ainda estava absurdamente mole, sem domínio do meu próprio corpo. Quis chorar mas, quando dei por mim, estava acordando de outro período de inconsciência. Desta vez, eu não estava sozinha – ele estava sentado à minha frente, fumando, sentado na cadeira onde eu estava antes. As perguntas jorravam do meu cérebro com tanto ímpeto e, eram tantas que eu não dei conta de verbalizar nenhuma durante muito tempo. Pareceu-me muito… Ele disse “salut” como se me saudasse depois de um dia de trabalho. Disse que sabia que eu estava confusa mas, que não precisava ter medo; disse que ele precisou fazer isso… era parte de um projeto. E, como se isso tivesse o milagroso poder do conforto, prometeu que tudo aquilo acabaria rapidamente. Eu continuava em silêncio, sem conseguir escolher a melhor pergunta ou interjeição. Ele continuou num discurso condescendente, dizendo que não havia me amordaçado mas, que se fosse necessário, paciência. Foi quando eu me senti mais ameaçada. Ele perguntou se precisaria me amordaçar e eu sinalizei que não com a cabeça. Pensei que algemada assim à cama, seria mais útil tentar mordê-lo do que gritar, se eu tivesse a chance. Ele perguntou se eu estava com fome ou sede, sinalizei que não. “Eu estou”, ele emendou seguido de “já volto”. Enquanto eu acompanhava ele com o olhar, fiquei imaginando qual diabos era o projeto para o qual ele havia me obrigado a participar, já que eu não estava amordaçada, minhas pernas estavam livres para espernear e tentar me defender. Logo parei; tinha é que pensar num jeito de sair dali. Da cama eu não via minha bolsa ou celular. Merde.

Ouvi passos e, logo apareceram no fim da escada caracol duas pessoas: ele e uma mulher. Ela não estava entre as pessoas que conheci naquele tour inicial. Era estonteantemente linda. Acho que por alguns segundos eu até esqueci da minha deplorável situação. Nada nela era particularmente diferente, estatura média; magra, mas não demais; pele clara mas, não era branca… era amendoada; olhos e cabelos castanhos. Na verdade, os olhos dela tinham uma assimetria que faziam o rosto dela distanciar-se muito do tipo de beleza perfeita de mulher bonequinha ou excessivamente sexy. Era bem difícil dizer a idade dela mas, eu chutaria uns trinta. O olhar dela tinha um brilho – mas se era tristeza ou alegria eu não sei dizer. Era estranho… parecia que ela sugava toda a luz. Um feixe de luz incidia sobre ela e, fazia o pó brilhar no ar. Ela usava um vestido preto, soltinho, de malha, bem decotado. Num dos braços, um lenço amarrado. No outro, tatuagens diversas muito delicadas… Todos os dedos tinham anéis e, no pescoço um colar de pingente de pedra roxa. Ela me olhou com cuidado; estava me avaliando. Depois, começou a falar palavras que eu não entendia, eram só sons para mim mas, tinham a sonoridade, a musicalidade de uma língua… Eu não sabia o que ela estava dizendo mas, sabia que não era bom.

[To be continued].

 


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