Senti uma dor profunda e o tempo desfez-se num conceito estranho – um segundo, uma eternidade coexistindo naquele golpe. Um corte transversal na minha costela esquerda de uns quinze centímetros. Gritei e desta vez, pela primeira vez desde que tudo isso começou, ouvi minha própria voz; ouvi meu desespero em forma de um rugido agonizante. Senti o sangue escorrer quente, senti minha pulsação, a palpitação do coração nas minhas veias dilaceradas. Eles não pareceram se assustar com o som, como se não tivesse feito barulho novo ou inesperado. Apesar de conseguir gritar, ainda não conseguia mover o corpo. A pouca visão periférica ou aquele teto cheio de palavras e nomes era o que eu tinha, com exceção dele e dela que, volta e meia, aproximavam-se. Não conseguir ver direito o que estava acontecendo só piorava a coisa toda. Eu já oscilava entre os devaneios de fuga, socorro e desistência – aquele que fizesse a dor parar primeiro seria meu escolhido, sem dúvida ou hesitação!
A mulher voltou a falar palavras que eu não entendia. Ela chegou perto de mim e senti o cheiro doce de flor que vinha dela… Ela segurava o que parecia ser um pequeno relicário ou pingente, feito de metal dourado, oval e achatado, todo desenhado. Ela me olhou nos olhos e trouxe o objeto de metal a uma altura que eu pudesse vê-lo com clareza. Depois de alguns segundos me olhando fixamente (como se estivesse tentando me dizer algo), ela colocou aquele “pingente” dentro da ferida há pouco aberta. Gritei, gritei, gritei, gritei. As lágrimas escorriam e, lembrei do livro que havia lido há pouco tempo, lembrei do “Cubango – o rio que nunca encontra o mar”. Me senti aquele rio, me senti desaguando em lugar nenhum. E me senti idiota por lembrar disso nesse momento de agonia. A mulher tirou os dedos indicador e polegar de dentro da minha carne aberta e os levou à boca, lambendo o meu sangue deles, ainda me olhando. Foi quando ela sorriu. E foi a primeira vez que tive muito medo dela – não da situação, não da dor, não das possibilidades, não dele, não da loucura, não do esquecimento dos outros – especificamente dela.
[To be continued].
Deixe um comentário